Congresso de Oposição Democrática
Cobertura de Helena Vaz da Silva e José Manuel Teixeira em Aveiro
Passo importante para uma frente ampla e unida da Oposição Democrática
por Helena Vaz da Silva e José Manuel Teixeira
Segundo a opinião de um membro da Comissão Nacional, está presente no Congresso, que decorre neste momento em Aveiro, a quase totalidade das correntes da Oposição, embora a princípio, quando começarem as reuniões preparatórias, nem sempre houvesse unanimidade de pontos de vista. Mas à medida que os trabalhos foram progredindo, a unanimidade foi ganhando vulto. Mas à medida que os trabalhos foram progredindo, a unanimidade foi ganhando vulto, uma vez que se entendeu ser o Congresso da Oposição Democrática mais uma frente de luta e uma outra forma de encontrar caminhos para resolver problemas que afectam o futuro do País.
Há convergência unânime por parte dos membros da Comissão Nacional, que somam para cima de quinhentas individualidades de todos os distritos de Portugal continental.
Assim, os responsáveis por este Congresso repudiam a ideia de serem acusados por alguns sectores mais extremistas da Oposição de colaborarem de certa forma com o Governo ao realizarem esta reunião em Aveiro.
Aliás e ainda segundo a opinião dos organizadores deste plenário democrático, «a autorização para a realização do Congresso não deverá ser considerada como generosa dádiva governamental.
No entanto - e apesar do facto de nos encontrarmos precisamente em ano de eleições - não está no espírito deste III Congresso a elaboração de «um programa de acção para a Oposição Democrática, mas apenas o enunciado dos problemas que os democratas participantes entendem dever constituir o fulcro de acção futura. Deste III Congresso deverá, antes, sair a decisão dos democratas participantes de intensificarem a sua acção na estruturação e consolidação do movimento democrático nos sectores a que pertence».
Em texto distribuído à imprensa por cerca de 80 membros da Comissão - já posterior a uma edição das conclusões das diversas secções - reconhece-se ser necessário à Oposição Democrática rever a sua política e as respectivas formas de intervenção em que se destaca o reforço de uma actuação a partir das bases populares.
Segundo esse texto «a Oposição Democrática terá de rever a sua actuação futura em face dos fracassos (em parte justificáveis) das campanhas eleitorais dos últimos 25 anos e da própria evolução da política nacional concluindo por defender a luta pela real unidade de todos os sectores da Oposição; a actuação a partir de uma base popular de que tem estado um tanto afastada; inscrever como primeiro objectivo a atingir a modificação de uma lei eleitoral, com o estabelecimento do voto obrigatório e lutar igualmente no sentido de despertar o povo para a viga política, sugerindo, por último, a fundação de um jornal de publicação diária ou semanal e a criação de uma União d os Direitos Cívicos, legalmente constituída com comissões em todas as freguesias do país. e tendo por finalidade específica esclarecer o povo em tudo quanto se refira ao recenseamento eleitoral, colaborar no sentido da inscrição dos cadernos e estudar os meios de atingir o supremo objectivo: o voto obrigatório extensivo à maioria dos portugueses de ambos os sexos de 21 anos (prevendo a redução para os 18 anos), que saibam ou não escrever, sem esquecer os emigrantes...
Entretanto - e embora não se tenham ainda realizado as mais importantes reuniões plenárias - podemos concluir desde já e sem grande margem de erro que segundo opinião autorizada «neste III Congresso da Oposição Democrática não devem ser apresentadas propostas para programas comuns. Em primeiro lugar, porque a realidade política portuguesa é específica, diferente da que caracteriza certos países estrangeiros e o Movimento Democrático é (e parece não poder ser de outro modo nas condições actuais) um Movimento aberto e unitário: em segundo lugar porque este Congresso não pode submeter de cima para baixo os destinos globais do Movimento».
Estão convictos os organizadores deste Congresso que se deve extrair desta reunião plenária «um conjunto de conclusões concretas e práticas que permitam reunir em síntese os objectivos comuns e prioritários adequados ao momento político actual do Movimento Democrático.
Com isso pretende-se contribuir para a definição dos objectivos e dos métodos de acção que a Frente Ampla e Unitária se impõe dever defender. Não condicionada ao próximo período eleitoral, mas prestando-lhe particular atenção».
São também adeptos os organizadores deste III Congresso da Oposição Democrática de o estabelecimento de uma plataforma mínima com base nos seguintes objectivos de acção:
- luta pelas liberdades fundamentais - direito de reunião associação e de expressão de planos político, sindical e cultural;
- luta contra a carestia de vida e contra a política de congelamento dos salários; contra toda a política monopolista e de submissão ao imperialismo (penetração de capitais estrangeiros, exportação de mão-de-obra no quadro do Mercado Comum.
CONGRESSISTAS EM AVEIRO:
"O eterno recomeço a partir do zero por ausência de estruturas de apoio"
«PROFUNDAMENTE sensibilizado convite presidir congresso saúdo companheiros consciente importância deste Congresso para objectivos centrais nossa luta liberdades democráticas povo português declaro aberta sessão».
Com a leitura deste telegrama do prof. Rui Luís Gomes declarou o dr. Seiça Neves aberta a sessão inaugural do 3º Congresso da Oposição democrática, p ara que, desde Agosto de 1970, os seus organizadores tentavam, sem sucesso, obter autorização.
(...) Pareceu à Comissão Nacional deste Congresso que a melhor homenagem a prestar ao Presidente eleito desta sessão era manter vaga a sua cadeira já que, neste momento, ninguém verdadeiramente o poderia substituir...
O terceiro Congresso da Oposição Democrática está reunido, em Aveiro. sob o signo da unidade - «Unidade que não é uniformidade». De notar a grande afluência de teses (um total de 150, enquanto em 1969 se apresentaram apenas 61); a diversidade e, nalguns casos, inovadora formulação dos temas, que enumeramos à parte; o elevado número de congressistas (para cima de 2000); a presença da imprensa estrangeira e de representantes de embaixadas, elementos que contribuem para dar a este 3° Congresso da Oposição Democrática uma projecção além-fronteira.
Significado e objectivos
«Este congresso não é uma dádiva do regime, é uma conquista nossa. Estas palavras de -Maria Barroso na sua intervenção, de que, a seguir. Reproduzimos longos extractos, dão o tom da orgulhosa combatividade que informou em geral a maioria das intervenções. Aliás o significado e os objectivos deste Congresso estão bem explícitos não só nas palavras proferidas, mas sobretudo nas das pessoas (representativas de sectores e correntes), convidadas a falar na sessão de abertura: Alvaro Seiça Neves, Maria Barroso, Santas Simões, um democrático do Porto, um trabalhador rural, um jovem operário e, a encerrar a sessão, José Tengarrinha.
Sobre as intenções e amplitudes desta reunião democrática, em Aveiro, afirmou Álvaro Seiça Neves: «Nem um só distrito deixou de se representar. Pode observar-se que este congresso interessou camadas populares cada vez mais vastas e até diversificadas. O número de teses ultrapassando as 150, e a proveniência de muitas delas, vindas de camponeses e operárias, tantas elaboradas colectivamente, denunciaram indubitavelmente o mérito do trabalho produzido. Tem o Congresso como objectivo a elaboração de um diagnóstico crítico da realidade portuguesa; a dinamização da actividade democrática em todo o país, nomeadamente através da discussão da problemática nacional e com efectiva participação popular; e a definição das linhas gerais da actuação democrática».
Falando dos vários problemas que neste momento afectam a realidade nacional, o vice-presidente em exercício, Dr. Seiça Neves. acrescentou que «se nos fosse dado estabelecer prioridade, a nossa preferência iria para o problema da emigração e para o das liberdades fundamentais.
A emigração e as suas consequências
Dentro da ordem de prioridades dos problemas nacionais que urge resolver,o Dr. Seiça Neves falou do «problema crucial que é a emigração: só nos últimos dez anos abandonou o país mais de um milhão de portugueses.
(...) A emigração feita em regra por jovens torna o país mais velho, empobrece-o pela ausência do trabalho da sua população mais nova. Mas, por outro lado. serve-se o governo do aforro dos emigrantes para equilibrar a balança de pagamentos da zona do escudo, sempre sobrecarregada com o desequilíbrio da balança comercial.
Esta busca de divisas estrangeiras - continuou a afirmar o dr. Seiça Neves - procura-as também o regime nas províncias ultramarinas, provindas da sua exportação, de bens e serviços. Tão grave é o problema da emigração que se diz ser Paris a segunda cidade do mundo de língua portuguesa, e ser na França o Português a segunda língua naquele País.
Tão grave é o problema, que há dias, na Assembleia Nacional foi reconhecido que «A saída de cerca de 1 milhão de portugueses durante a década de 60 representa um terrível plebiscito».
A promessa de uma Lei de Imprensa
Na sessão inaugural foi ainda referido — como que estabelecendo um paralelo com o clima em que decorreu o Congresso de 1969, em que se acreditava numa próxima liberalização do regime. Tinha-se inclusivamente prometido, para breve, uma lei de imprensa.
A lei de imprensa continuou o orador, nada adiantou em face da declaração sobre o estado de subversão, colocando pelo contrário a Imprensa em situação pelo menos mais perigosa.
«Nós não aceitamos limitações de temas»
Significativa também da orientação e objectivo deste congresso foi a intervenção de Maria Barroso, mulher de Mário Soares, que afirmou: «O Congresso não foi organizado para longos discursos (...) o Congresso não foi organizado para exibição de vedetas ou de cúpulas (...) o Congresso não foi organizado para relatos eruditos ou revolucionaristas verbais.
O Congresso- não é uma dádiva do regime! É pura e simplesmente uma conquista nossa!».
«Uma dádiva porquê? Pura e simplesmente o reconhecimento dos nossos mais elementares direitos de cidadãos, isso sim!
Sobre o alcance nacional do congresso de Aveiro afirmou Maria Barroso:
«O espectáculo admirável da inscrição e concorrência de tanto português neste congresso não significará que ele é já qualquer coisa de positivo neste marasmo da vida nacional?
Maria Barroso falou então de um extracto de uma sessão realizada em Novembro de 1946, relatando as palavras que então ouvira na Voz do Operário: «para execução da sua política económica, serviu-se o Governo da organização cooperativa iniciada em 1933. Esta organização foi investida de funções, que a lei não definiu concretamente e que os dirigentes se encarregaram de variar conforme as circunstâncias permitiam, encontrando por parte das entidades responsáveis a melhor vontade em sancionar todas as suas manobras. E Maria Barroso concluiu: «Há 27 anos, foram ditas estas palavras, poderiam ter sido proferidas hoje!». (...). Agora como há 27 anos, continuamos a lutar por eleições verdadeiramente livres.
Agora como há 27 anos, continuamos a lutar pela conquista da liberdade democrática.
«(...) Diz-se que há, que se deu, uma liberalização do regime. Não há infelizmente liberalização, não há modificação das estruturas. Portanto, é necessária uma tomada de consciência maior das nossas dificuldades crescentes, e por isso eu creio que este congresso poderá ser útil. Poderá ser uma das formas de ajuda a essa tomada de consciência. Nós não aceitamos limitações de temas a tratar no congresso: o problema ultramarino não nos amordaçará, porque entendemos que todos os portugueses têm direito a pronunciar-se sobre ele dado que é o problema número um, aquele que mais afecta a vida nacional neste momento. Calarmo-nos sobre ele seria cobardia, seria sermos coniventes com uma política injusta e obsoleta, seria violentarmos a nossa própria consciência.
«É necessária uma tomada de consciência sobre os problemas que temos à nossa frente neste país triste - disse-o e repito-o. Este congresso poderá ajudar-nos porque nele são debatidos esses problemas, mas, sobretudo, porque penso (serei ingénua? serei ambiciosa?) que dele possa resultar uma frente de unidade que nos é absolutamente indispensável.
A divisão a quem aproveita?
«É possível (deixem-me acreditá-lo) que todos nós – sem perdermos de vista as nossas próprias convicções (unidade não quer dizer uniformidade) - se esquecermos sectarismo, se nos convencermos de que somos humildes elos de uma cadeia, consigamos fazer deste congresso um passo decisivo para o entendimento de toda a Oposição portuguesa. E entendimento para a acção! Porque unidade não são palavras: a unidade é acção.
O povo diz: «a União faz a força» e eu acredito na voz do povo.
Há 27 anos foram ditas as palavras infelizmente tão actuais e que quis citar-vos com que entusiasmo, com que força, com que coragem. Onde estão essas vozes queridas que inflamaram a nossa juventude? Mário de Azevedo Gomes, Bento de Jesus Caraça, Manuel Mendes, Tito de Morais, Álvaro Cunhal, Ramos da Costa, Fernando Piteira Santos, e essa querida Maria Isabel Aboim Inglês - mulher da coragem inabalável, defensora acérrima das liberdades do povo a que pertenceu e pertence ainda, apesar de sobre a sua morte terem passado já 10 anos. Maria Isabel Aboim Inglês e Maria Lamas - essa grande portuguesa que temos a felicidade de contar já entre nós.
«Há quem diga que o passado não conta: é mentira. O passado conta- quando se continua no presente e se projecta no futuro. Foi exactamente neste passado dos nossos pais e dos nossos amigos que se forjou o nosso carácter».
«A unidade mais sólida»
Também José Tengarrinha - representativo duma importante corrente de democracia portuguesa - foi esclarecedor quanto à orientação do congresso: «há motivos, fortes motivos para recear pelo futuro do nosso país. A situação - ninguém poderá ocultá-lo - é de extrema gravidade, das mais graves da nossa história. E disso que temos de tomar plena consciência ao iniciar este Congresso, assumindo as pesadas responsabilidades patrióticas que nos cabem e que nó; de resto nunca rejeitamos.
(...) Dada a largueza da mobilização possível e desejável das forças sociais em torno da luta democrática. a unidade mais sólida terá maior consistência e maior dimensão política.
Santos Simões: Desafio e teste
O DR. SANTOS SIMÕES, de Braga, depois de apontar a importância do Congresso, dentro da linha de acção que preconizou para a oposição democrática, afirmou:
«A realização do Congresso contribuiu deste modo para uma maior dinamização das comissões à escala do país e para uma acentuada mobilização de quadros que, deste modo, se sentiram motivados e estimulados.
Se entendermos que um dos aspectos importantes da nossa luta política impõe uma progressiva tomada de consciência de todo o Povo português, julgamos, neste aspecto, que a preparação deste Congresso ultrapassou em muito as limitações que têm dominado a actividade política em Portugal. É de todo evidentemente que, com o reconhecimento destes factos, não pretendemos optimizar uma situação a muitos títulos precária.
Por outro lado, revelam-se dia-a-dia acentuadas as contradições entre um poder económico que se quer em constante ascenso e o poder politico que o deseja ter como suporte sem alteras as suas linhas de acção.
A Oposição Democrática, a que autenticamente se pode designar assim, nada tem a ver estes jogais que têm de ser denunciados resolutamente e sem quaisquer margens para dúvidas. Não pode haver alianças, nem compromissos, com grupos que desejam manter toda uma inaceitável situação de exploração.
Para já, uma primeira resposta no desafio está dada. Os democratas portugueses reunidos em Aveiro ou espalhados pelos quatro cantos de Portugal e do Mundo ofereceram mais esta prova de capacidade de realização, esta certeza no futuro democrático do país, esta afirmação de que o Congresso é já um autêntico êxito fruto da tenacidade, da lucidez e da inteligência.»
CONDIÇÃO JURÍDICA DA MULHER EM PORTUGAL
DURANTE o debate da secção G, subordinada ao tema «Organização do Estado e Direitos do Homem, Laura Lopes apresentou uma tese onde salientou a condição jurídica da mulher em Portugal. Afirmou que «a mulher em Portugal não tem acesso legal a determinadas profissões como sejam a diplomacia, a magistratura, a carreira administrativa do ultramar e lugares de chefia nos tribunais; donde a respectiva legislação é inconstitucional e como tal deve ser encarada. A mulher após o casamento perde grande parte dos seus direitos a favor do marido, como chefe de família imposto pela lei, submetendo-a a mesma lei a uma situação de subordinação quase total ao marido; deste modo, não pode administrar os seus bens próprios nem os do casal, salvo em casos excepcionais.
Não tem qualquer poder legal sobre os filhos, a não ser por impossibilidade absoluta do marido ou por dissolução do casamento ou separação judicial.
Não pode exercer livremente uma profissão (exceptuadas as liberais, artísticas e intelectuais e as funções públicas, que abrangem apenas uma pequena minoria das mulheres portuguesas) porque o marido a todo o tempo pode denunciar o contrato de trabalho da mulher e proibi-la de continuar a trabalhar profissionalmente ou de ter uma ocupação. Não pode ser comerciante sem autorização do marido, a não ser que esteja casada no regime de separação de bens ou excepcionalmente administre os bens do casal.
Não lhe é possível na prática as mais das vezes separar-se do marido ou divorciar-se em virtude do rebaixamento económico em que vive, quer sendo doméstica, afastada que qualquer actividade económica, quer trabalhando numa profissão ou ocupação quase sempre mal remunerada.
A par da imensidade de privações de direitos estabelecidos por lei a favor do homem marido à mulher casada foi imposto o dever do governo doméstico, actividade embrutecedora e, além disto, juntamente com o dever do governo doméstico, é--lhe imposto ainda o dever de contribuir com o marido para as despesas da casa.
A mulher mão-de-obra sempre disponível é relegada para as tarefas e trabalhos mais desqualificados.
A Concordata com a Santa Sé de 1940 veio limitar a liberdade individual de por termo ao casamento, criando situações humanas extremamente dolorosas, proibindo o divórcio no casamento canónico; e o Código Civil de 1967 continuou a restringir as possibilidades de requererem a separação judicial ou divórcio sobre o pretexto de protecção à família legítima. De facto, toda a legislação limitativa de dissolução voluntária de casamento prejudica a instituição portuguesa da família legítima. pois provoca milhares de situações ilegais. o que arrasta a proliferação cada vez maior de filhos ilegítimos e a continuidade impossível de suster da família ilegítima...
Congresso de Aveiro: o trabalho nas secções
Secção A: Desenvolvimento Económico e Social
Capitalismo, proteccionismo industrialização e Europa
«PARA UMA acção democrática definida nos três grandes objectivos do Congresso não basta um diagnóstico crítico da realidade portuguesa. o qual tem absorvido, aliás, grade parte do esforço da Oposição ao longo das quatro últimas dezenas de anos, havendo que passar do descritivismo crítico (sem o sacrificar) ao exame das complexas relações económicas, políticas. sociais, culturais e ideológicas que condicionam tanto a acção do regime reinante como das forças democráticas que se lhe opõem - este o ponto de partida para a discussão das teses da secção A deste Congresso – subordinada ao tema «Desenvolvimento económico e social».
Como opção par a o desenvolvimento económico do nosso país, concluiu-se durante as sessões desta secção do Congresso que «o Governo de Sal azar pode ser encarado como o Governo da grande maioria da burguesia. Impede a concorrência, destrói os partidos políticos, protege a pequena e média indústria e alia-se aos proprietários rurais. A industrialização não só não é desejada como é dificultada, pois acarretaria consigo um enfraquecimento. Principalmente pelo ressurgimento de um proletariado potencialmente revolucionário. O Governo de Sal azar tornou-se um governo de contenção e condicionamento do capitalismo. O preço. a médio prazo. foi a estagnação da economia: a longo prazo, porém, o programa revelou-se compensador para o capitalismo.
Surgiu assim o corporativismo que deveria travar o capitalismo e ter criado as premissas para o seu desenvolvimento gr ande acumulação de capitais, em especial durante a segunda grande guerra, ordem política estável um proletariado não r evolucionário.
O regime de Salazar levou a um impasse geral da economia portuguesa: reduzida capacidade de consumo e baixa propensão ao investimento, fraca produção industrial, uma economia agrária paralisante e hipertrofia no sector dos serviços e quase inexistente capacidade de concorrência a nível internacional.
Desenvolvimento da agricultura portuguesa
Durante a discussão d os temas desta secção, o Eng.º Blasco Hugo Fernandes fez uma intervenção em que analisou «a situação socio-económica da agricultura portuguesa», tirando as seguintes conclusões:
«A actual estrutura das explorações agrícola- constitui obstáculo ao progresso técnico e económico da sua grande maioria representada pelos extractos sociais mais desfavorecidos. Na verdade. os resultados económicos deste sector primário são tão baixos que impedem o seu intercâmbio com os demais sectores da economia. vendo-se desse modo impedidas de utilizar produtos e meios mais produtivo.
De facto. a par da redução do número de explorações agrícolas, tem-se notado um aumento do número de assalariados por patrão. cuja variação entre 1950 e 1970 foi de 61,3 por cento.
«Uma tentativa reformista»
O Dr. Francisco Pereira de Moura interveio referindo-se ao sector secundário da nossa economia. Alegou que «a tentativa reformista encabeçada pelos tecnocratas da equipa governamental constituiu um ensaio de resposta aos graves problemas da economia nacional. Já correu suficiente tempo de fracasso sobre o reformismo para se lhe poder fazer a autopsia e colher resultados úteis par a orientação futura. «A questão crucial, da qual resultavam todas as outras, foi a abertura à Europa. O desenvolvimento proteccionista por substituição de importações defrontou obstáculos cada vez mais fortes na saturação de um mercado interno exíguo e com crescimento lento, e nas dificuldades tecnológicas de dimensão e de interesses importadores que se levantavam à introdução de mais indústrias novas. De modo que a manutenção de um ritmo elevado de investimentos no sector motor - e assim foi considerado o das industrias transformadoras - estava dependente da abertura rápida de mercados mais vastos, a parda superação dos entraves a indústrias para o mercado interno.
Mercado vasto, o da Europa em integração, superação dos entraves pela admissão franca e fácil das empresas estrangeiras - e ambos os movimentos se conjugavam no sentido da internacionalização da economia portuguesa pela adesão ao Mercado Comum.
Ultrapassados os tempos de exploração de matérias primas, a baixas cotações (Ultramarinas e em Portugal, sector primário), alteradas as condições quanto a salários apontou-se para actividades que requeressem mão-de-obra especializada, ainda que sem grande qualificação, pois que as reformas do sistema de ensino não forneceriam esta em curto prazo.
Insistiu-se na necessidade de recuperar rapidamente o atraso tecnológico perante o estrangeiro, o que se entendeu traduzir na opção por indústrias capital-intensivas, químicas e metalúrgicas. O esquema reformista assentava em dois tipos de agentes: por um lado, os grandes grupos industriais portugueses, os únicos (como se insistia) com dimensão e capacidade técnico-económica para se baterem com empresas estrangeiras ou com elas se aliarem: por outro lado, o sector público, aceitando assim uma sugestão vinda do modelo proteccionista das empresas de economia mista), mas dando-lhe muito maior extensão e flexibilidade.
«A questão crucial estava na abertura à Europa. Não admira, pois que o projecto e os seus defensores constituíssem o álbum de todas as forças económicas e políticas de pendor tradicionalista. Mais importante, no entanto, foi a posição assumida pela Comunidade Económica Europeia perante a candidatura portuguesa. arredando imediatamente quaisquer pretensões de associação e concedendo um mero acordo comercial.
«Prejudicada neste ponto, toda a estratégia do projecto reformista ou liberal ficou comprometida, avultando cada vez mais o alarme nacionalista dos interesses estabelecidos e pouco dinâmicos perante a liberdade de entrada de empresas estrangeiras e sobretudo o alarme anti-socializante contra a possibilidade de intervenções mais directas e amplas do Estado no desenvolvi mento industrial.
Planeamento económico
Numa outra intervenção, o Dr. Pereira de Moura ao referir-se ao planeamento económico afirmou que «o desenvolvimento económico português, com base na industrialização, assentou, durante os anos 50 e 60, no modelo proteccionista que atingiu o esgotamento. assistindo-se nos últimos anos, a uma tentativa de relançar o processo com base num modelo reformista ou liberal.
«A estratégia de desenvolvi-me nt o do reformismo liberal assentou na abertura à Europa e às empresas estrangeiras, na consolidação dos grandes grupos industriais e financeiros, na invasão capitalista para o sector agrícola tradicional e na tentativa de realização pelo sector público, de uma parte dos projectos de industrialização.
Balança de pagamentos
Ainda dentro do esquema em debate nesta secção, referiu-se que o crescente deficit da balança comercial só é compensado pelo aumento do montante da entrada de divisas resultante do turismo, e principalmente das remessas enviadas pelos emigrantes. Estas, que foram de 1.868 milhares de contos em 1960, passaram para 14.343 milhares de contos em 1970.
(nota: 1 conto representa 1000 escudos, aproximadamente 5 euros)
Situação sanitária e assistência médica em Portugal
Na discussão do plenário da secção C do Congresso (segurança social e saúde). foi apresentado um plano de estruturação da Previdência em moldes de um serviço social diferente que é actualmente praticado no nosso país. Assim. foi proposto: «a uniformização do regime geral da Previdência e integração dos diversos regimes especiais existentes actualmente nesse regime geral tendo sempre em conta as reais necessidades dos indivíduos através de esquemas diferenciada de prestações, conforme o custo de vida em cada localidade:
- Gestão dos interessados - representação dos municípios, sindicatos e corpo médico na administração das caixas e dos hospitais que servem a Previdência por contrato;
- Extinção a toda a população activa e seus familiares dos benefícios da Previdência;
- Substituição do actual regime de contribuições por um sistema de tributação sobre os lucros das sociedades e os rendimentos do trabalho, progressivo e sem fixação de «plafonds»;
- O Estado cobrirá os deficits da Previdência, procurando atingir os níveis de assistência já alcançados por outros países;
- Unificação dos diplomas e regulamentos sobre uma forma simples e clara com ampla distribuição, em que, pela sua leitura qualquer segurado fique ciente d os seus direitos e obrigações;
- Obrigatoriedade de prestação de contas aos segurados ou contribuintes por parte dos organismos da Previdência e da FNAT;
- Exclusiva votação das receitas a fins sociais: «no investimento da Previdência atender-se-á ao mesmo tempo, aos objectivos eminentemente sociais da instituição e aos critérios de máxima rentabilidade;
- Aumento e actualização permanente das pensões, segundo a recomendação da OIT;
- Contribuição para o minoramento do problema da habitação, através de casas de renda económica e pela criação de um subsídio de alojamento.
- Apoio à maternidade e ao trabalho feminino pela construção de creches e infantários e pela instituição de um subsídio que permita adequada protecção à criança nos primeiros meses de vida e desobrigue o trabalho feminino de certa protecção contratual que está na base da discriminação praticada pelas empresas em relação à mulher;
- Extinção da FNAT e do Fundo do Desemprego;
- Criação de um seguro de desemprego no âmbito da Previdência, a regulamentar com participação dos Sindicatos e do Governo;
- De acordo com os países de emigração, de forma a assegurar o direito dos trabalhadores imigrantes a igualdade de trato com os trabalhadores daqueles países, estabelecendo o princípio da conservação dos direitos adquiridos e dos direitos em curso de aquisição;
- Abono de família em percentagem do salário base, com variação progressiva conforme o número de pessoas a cargo do trabalhador e a idade dos filhos;
- Regime de livre escolha quanto à assistência médica, dentro de tarifas deconvencionadas com a Ordem dos Médicos e o Governo;
- As despesas como a assistência medicamentosa, auxiliares de diagnóstico, internamente, operações e tratamento termal, serão totalmente cobertas pela Previdência;
- A Previdência deverá contribuir, também, dentro do domínio da investigação científica. através de subsídios e da sua experiência própria pelo progresso da saúde pública.
Dentro do lema «Queremos uma política de saúde e que não se faça política com saúde», foi proposto neste III Congresso de Oposição Democrática:
«A criação de um futuro Serviço Nacional de Saúde, que desse assistência na saúde, por meio de medicina preventiva e curativa. a todos os portugueses indiscriminadamente: Garantisse uma assistência médica básica a determinar: desse possibilidades às entidades patronais particulares de promover uma melhor e mais ampla assistência ao; seus empregados e a possibilidade de lhes conceder maiores regalias: Satisfizesse o mínimo de aspirações legítimas dos seus beneficiários (consultas de tipo hospitalar em postos centros de saúde ou hospitais em regime de consultas livre; segundo modalidades diferentes): Oferecesse aos médicos possibilidades múltiplas de colaborar dentro do sistema».
ESTRUTURA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
NO DEBATE das teses apresentadas na secção B subordinada ao tema estrutura e transformação das relações de trabalho foram estabelecidos os seguintes pontos para divulgação junto dos trabalhadores e dos organismos competentes:
1. Duração do trabalho redução do horário para as 40 horas semanais: luta contra a obrigatoriedade de fazer horas extraordinárias; reconhecimento da autoridade dos sindicatos na fiscalização do cumprimento dos horários de trabalho: férias anuais de 30 dias; regulamentação do trabalha por turno;
2. Estabilidade do emprego: abolir das leis do trabalho as possibilidades do despedimento sem justa causa e proibição às empresas de fazer despedimentos colectivos salvo nos casos de falência declarada; permitir aos sindicatos defender os trabalhadores nos tribunais de trabalho.
3. Saúde e assistência: deve ser pago o ordenado integral dos trabalhadores enquanto durar a doença; as Caixas devem pagar os preços dos medicamentos na totalidade.
4. Reforma: a pensão de reforma deverá ser igual ao ordenado do trabalhador quando activo e o seu aumento de acordo com as revisões salariais; a idade da reforma deve ser efectiva aos 65 ano; e que esse limite seja inferior nos casos de mulheres, padeiros, mineiros, pescadores e outros trabalhadores pelas características das suas actividades estejam sujeitos a tarefas mais penosas ou desgastantes.
5. Trabalho dos jovens: proibição efectiva do trabalho de menores de 14 anos: proibição trabalho nocturno ou extraordinário dos jovens: que o salário não seja inferior ao salário mínimo atribuído aos outros trabalhadores: que lhes seja concedido tempo para estudo sem perda de salário e que esse estudo seja gratuito.
6. Trabalho das mulheres: é necessário que a trabalho igual corresponda salário igual; a proibição do trabalho nocturno para as mulheres; toda a mulher tenha um mês de descanso antes e após o parto sem diminuição do seu vencimento: assistência médica e medicamentosa efectiva e gratuita antes e após o parto: obrigatoriedade de creche nas empresas que o justifiquem: obrigatoriedade de centros de protecção à criança e à maternidade a serem criados nos grandes aglomerados populacionais de trabalhadores.