O III Congresso de Oposição Democrática
Visto por Helena Vaz da Silva e José Manuel Teixeira
O 3º CONGRESSO da Oposição Democrática realizou-se em Aveiro em Abril de 1973.
Alguns acontecimentos, que foram marcos, o prepararam:
1957, data do I Congresso da Oposição Democrática, era um ano decisivo: em 1958 haveria eleições presidenciais, ainda por sufrágio directo, e era preciso consciencializar o país. Aveiro era então a cidade indicada para uma reunião plenária dos oposicionistas - pelas suas tradições democráticas; pela existência de um punhado de homens com prestígio contrários ao regime de Salazar; pela sua proximidade geográfica com o Porto, outro importante centro democrático; pelas próprias relações existente - então, como agora entre gente da Oposição e da Situação. Disto é exemplo a atitude assumida, no ano seguinte pelo governador civil Vale Guimarães, que o levaria à demissão, perante a publicação no seu distrito dos resultados das eleições entre Américo Tomás e Humberto Delgado. Vale Guimarães voltou a ser nomeado para o cargo de governador civil, que ainda ocupa neste momento, por Marcelo Caetano, na sua campanha de liberalização, logo que assumiu a Presidência do Conselho.
Depois das eleições presidenciais de 1958, certa corrente da Oposição - a mais bem estruturada e organizada - tese um papel relativamente importante na Crise Académica de 62, que formou uma geração de jovens intelectuais, que não mais deixaria de tomar parte activa na vida nacional.
A morte política de Salazar e a nomeação de Marcelo Caetano trouxeram uma certa esperança a alguns sectores da Oposição portuguesa (apoiados na democracia como linha de rumo) que acreditaram numa possível liberalização do país.
Entretanto, carentes da Oposição houve que propuseram métodos mais radicais, não se servindo do esquema eleitoral português.
1969: num clima de certa esperança, organiza-se o II Congresso Democrático, com o objectivo de criar um espírito que pudesse vir, mais tarde, a inspirar um programa eleitoral. A organização dessa reunião plenária, na linha da do I Congresso, consegue levar a Aveiro pessoas que mais tarde se vieram a afastar decididamente da linha democrática clássica, perante as limitações existentes em Portugal. Muitas dessas pessoas, no entanto, ainda chegaram a colaborar activamente, até como candidatos a deputados, nas eleições desse ano, integrados sobretudo na CDE.
Terminadas as eleições, e uma vez que não havia um objectivo próximo a atingir, gerou-se um pluralismo de posições latentes na Oposição portuguesa - que se adivinhavam já na própria existência da CDE e da CEUD, como grupos políticos diversos e com métodos de actuação que divergiam sobretudo (mas não só) por uns perfilharem uma orientação democrática assente na soberania das bases, outros optarem por una direcção de cúpula, que apenas pretendia das assembleias a ratificação das suas decisões.
Entretanto, de 1969 até agora, há as declarações e as ligações de Mário Soares; permanece o espírito da Plataforma de São Pedro de Moel. Há, mais importante do que tudo isso, uma actividade sindical intensa, onde os trabalhadores tomam consciência dos seus direitos.
Mas lá também urna corrente que não acredita na via legalista como método.
Chegou-se a 1973. À euforia de 1969 sucedeu um sentimento geral de que a «continuidade» tomara definitivamente o passo sobre a «renovação». Assim, se separaram, aqueles que 1969 reunira se não numa mesma acção, pelo menos numa mesma esperança.
Uns foram aumentar o número de emigrantes na Europa; outros, deixando de acreditar, marginalizaram-se (de toda a política? Desta política? A saber!); outros fizeram este III Congresso da Oposição Democrática; outros ainda não o quiseram fazer.
Os que fizeram o Congresso
Vindos de quase todas as tendências da Oposição Clássica que nas eleições de 1969 se reuniram na CDE e na CEUD, os organizadores deste III Congresso parece terem querido orientá-lo desde o início para aquilo que se lhes afigurava agora como a única forma de acção possível e que seria a integração da Oposição no sistema (não confundir com regime). Assim:
- toda a preocupação em fomentar o recenseamento político, a fim de obter eleições justas por meios legais. já revelada na Plataforma de São Pedro de Moel:
- toda a actuação, desde 1970 até agora, muito mais virada para uma reflexão conjunta construtiva e não contestante - sobre a realidade político-económica, de que são fruto as teses apresentadas neste Congresso;
- todo o comportamento geral em Aveiro, avesso a manifestações contestatárias alheias, e de qualquer cor;
- a insistência na necessidade de obtenção de um reconhecimento oficial da Oposição, vêm em apoio do que afirmámos.
Primordial importância nos parece ter tido o trabalho de preparação do Congresso, que fez encontrarem-se pessoas e grupos, a nível profissional e regional, para tratar de assuntos que a cada um dizia respeito muito directamente.
Deste modo, surgiram teses colectivas de trabalhadores de um mesmo ramo, de gente de uma mesma região, de pessoas com interesses afins - e que se reuniram durante semanas, discutiram, fizeram inquéritos, estudaram estatísticas (quando a elas conseguiram acesso) elaboraram as suas teses e vieram apresentá-las (e defendê-las) no Congresso. Os exemplos são múltiplos: um grupo de trabalhadores de Braga que. baseados na sua própria experiência, elaborou um trabalho sobre a contratação colectiva; operários da Marinha Grande que se juntaram para falar do sindicalismo e do operariado em Portugal; catorze motoristas de Lisboa que apresentaram uma tese sobre os transportes de carga de aluguer; empregados da indústria química, que apresentaram a situação dos despedimentos neste momento naquele ramo fabril.
Em contrapartida, surgiram teses individuais apresentando visões de conjunto sobre a situação política e económica portuguesa que, acreditamos, virão a ser «influentes» no futuro.
Trabalhos como um dos de Francisco Pereira de Moura, dando achegas para uma reorganização política preconizando nomeadamente a substituição da «dependência dos governadores civis perante o ministro do Interior, subordinando-os a funções de representação efectiva de todo o Governo, fazendo-os nomear pelo ministro do Plano e da Coordenação Económica, e dando todo o relevo às atribuições impulsionadoras do desenvolvi mento económico e social» - teses como esta, dizíamos, não poderão ser ignoradas.
Com a apresentação de tantas teses, de tão diverso calibre, foi pelo menos formulada a maioria dos problemas que caracterizam a conjuntura sócio-económica e política actual.
Ficou, portanto, adquirido um vasto material pronto a servir de ponto de partida a estudos ulteriores, que supomos virão a ser feitos, alguns pelos próprios grupos já constituídos.
Para além destes aspectos que acabamos de salientar – luta pela legalização e formulação teórica de temas – apontaremos ainda a importância da informação pública, de que este Congresso foi ocasião única embora não completa.
Lá se falou e de maneira nova por mais livre; cá e lá se escreveu menos, de maneira também algo nova, mas tão curta!
Pareceu-nos ainda que houve uma nota diferente num Congresso como este: nele as cúpulas se diluíram (ou seja: foi uma reunião sem leaders); enquanto as bases presentes (que eram pouco significativas, mas era o que lá estava) se salientaram (ou seja: os jovens marcaram presença).
E perguntamo-nos: porquê aqueles jovens chegados de súbito no sábado a Aveiro? Quem os mandava ou inspirava?
Os que não foram ao Congresso
Também em Aveiro se falou de Unidade.
A essa Unidade chamou um representante de um grupo não presente em Aveiro «essa equivoca palavra» e considerou ser «um mito que está a causar profundos danos, não obstante o claro exemplo da CDE de Lisboa, que contra ele se ergueu com o êxito que se conhece (mesmo eleitoralmente falando), provando a ilusão e o passadismo de uma Oposição centrada na exclusiva reivindicação das liberdades fundamentais».
Assim, diz Joaquim Mestre, no seu depoimento à «República» «se vantagens antevejo (a este Congresso) são as de esclarecer uma vez mais os limites desse tipo de intervenção, os equívocos daí resultantes e os parcos dividendos auferíveis», embora mais inclinados a reconhecer os lados positivos que este Congresso teve e julgamos ter conseguido realçar, subscrevemos o que, de Joaquim Mestre, se refere ao mito da Unidade.
Que se faça da Unidade um método de (alguma) acção, seja. Que se faça dela um valor, o único, o intocável, aquele a que tudo se subordina e em nome do qual tudo se faz, mesmo interpretações apressadas e injustas, isso achamos mal.