Qual Europa?
Introdução do livro de Helena Vaz da Silva, em 1996
Este é um diário de campanha. Da minha campanha de 1825 dias em direcção à Europa.
Reúne os «sinais de vida» que, por entre o ruído e as surpresas da chegada, fui emitindo ao longo do meu primeiro ano no Parlamento Europeu.
Parece-me que devo a quem me elegeu dar contas do que vou aprendendo e do que me esforço por ir transmitindo a outros.
Por isso juntei aqui algumas das intervenções formais em Plenário (onde, sobre cada assunto, se dispõe de um a dois minutos para falar, mesmo esses obtidos em árduos combates) e as que fui fazendo em resposta a convites de entidades externas ao Parlamento, em colóquios e conferências por essa Europa fora.
Considero fundamental manter o contacto com o mundo real, com os «actores culturais» que, muitas vezes ignorantes dos complicados caminhos comunitários, são afinal quem dá forma à Europa do espírito.
Decidi incluir, além disso, um Estudo sobre Cooperação Cultural na Europa que me foi encomendado pelo Comissário João de Deus Pinheiro ainda em 1993, quando tinha na Comissão Europeia a responsabilidade da Cultura, porque tê-lo feito influenciou claramente a minha posterior decisão de aceitar o convite do Primeiro Ministro Cavaco Silva para integrar a lista do PSD como candidata independente.
Cada texto aparece aqui na língua em que originariamente o redigi (com excepção dos introdutórios) porque julgo não haver melhor maneira de afirmar, simbolicamente, a realidade - do multilinguismo na Europa.
Portugal tem particulares responsabilidades na definição que urge de uma política da língua na União Europeia. A defesa da língua portuguesa não passa certamente por uma obstinação cega a favor dos direitos iguais nos fora internacionais (batalha perdida a prazo) mas sim pela imposição lúcida de formas de defesa positivas da língua como veículo de cultura. Lembremo-nos também que a manutenção do português como veículo de unidade política nos países africanos é uma prioridade para a Europa. No conjunto de acordos de cooperação que a União Europeia tem vindo a assinar com países terceiros, não são tratadas com o destaque que merecem as relações com os países de língua e cultura de raíz europeia.
Defender o uso do português é uma das prioridades que precisa de passar a ser feita num contexto «ganhador», o que exige reflexão e implicação de todos os que podem dar um contributo positivo a este combate.
O trabalho no Parlamento é um trabalho de equipa, mas é também um trabalho de alguma solidão. Os laços que nos ligam ao Grupo Político e às Comissões a que pertencemos são mais funcionais e austeros do que poderia desejar-se. O ritmo frenético a que nos movemos não convidam a mais. De lado fica também - e é politicamente mau que assim seja - a desejável articulação dos 25 deputados portugueses que - ao contrário do que acontece com os de outros países - raramente se concertam sobre estratégias de interesse nacional.
Este «autismo» em que se movem os deputados é tanto mais de lamentar quanto Portugal está representado por um punhado de excelentes membros que têm uma actuação claramente acima da média habitual neste Parlamento.
A solidão vem-nos, primeiro do facto de, devido ao sistema eleitoral que temos, não sermos directamente responsáveis perante uma faixa do eleitorado (que inveja das «constituencies» dos meus colegas ingleses!); depois, de não vermos os responsáveis políticos do nosso governo utilizarem a disponibilidade e a experiência dos deputados portugueses no momento de definir políticas europeias.
Temas fundamentais como as perspectivas de desenvolvimento da Sociedade da Informação, o futuro das línguas na Europa, a definição de um novo conceito de turismo sustentável, a redefinição de uma política de educação ao longo da vida bem mereceriam um trabalho combinado Governo - Parlamentares dos vários grupos.
Tudo aponta para essa necessidade e as conjunturas - nacional e europeia - são propícias para lhe dar concretização.
O novo governo vai definir, como é natural, as suas prioridades que novas estratégias acompanharão naturalmente.
A União Europeia entra agora, com a Conferência InterGovernamental (CIG) que tem início em Março 1996, em reflexão sobre o que quer fazer de si e que imagem quer oferecer ao mundo. É o momento de voltar a dar à Europa as asas que perdeu.
Conceitos como o de subsidariedade, coesão, solidariedade e cooperação precisam de ser renovados através do sopro novo que os estados-membros do sul e do norte e os candidatos do leste da Europa podem e devem impôr. A dimensão cultural da construção europeia precisa de ser reforçada.
Porque acredito que há uma hipótese forte de a CIG ser um novo arranque, porque acredito que vamos ser capazes de tornar real a Europa que sonhámos, pedi a um dos mais admiráveis sonhadores da Europa - porque, tendo os olhos bem abertos, continua a ser capaz de sonhar - que abrisse com umas linhas inspiradoras esta «sebenta». A ele e a Edgar Morin, sobretudo, devo ter percebido, há anos já que a Europa é a nossa casa e que lutar por ela é nosso dever.
No trabalho quotidiano de um deputado há um segredo do sucesso: o assistente. O meu chama-se Mário Rui. Ao pedir-lhe que narre o que é o nosso trabalho quotidiano, faço justiça a quem comigo o partilha, hora a hora.
Helena Vaz da Silva