Mensagem da Presidente
Na Festa dos 55 anos do Centro Nacional de Cultura, em 2000
O Centro Nacional de Cultura faz 55 anos num momento muito rico do ponto de vista da cultura na Europa.
Assiste-se, com efeito, nos tempos recentes a uma tomada de consciência de que, se não se fizer passar a cultura da periferia para o centro da política, não haverá verdadeira renovação social.
A subida de estatuto dos ministérios da cultura, em vários países europeus, por vezes ligando-os a áreas de peso como a comunicação, a crescente articulação das políticas de cultura com as da educação, do desenvolvimento social, da renovação urbana ou do turismo, os conceitos – recentes mas rapidamente aceites – de que os artistas têm um papel a desempenhar na sociedade, de que a cultura contribui para o bem estar social, de que o património é a pedra basilar da identidade no mundo globalizado – são tudo sinais de que a cultura conquista terreno na hierarquia política e social.
Esta tomada de consciência do necessário protagonismo da cultura começa a traduzir-se nas instâncias comunitárias (embora mais nos textos do que nos orçamentos), em cada um dos países membros da União e também em Portugal, como o prova o 3º Quadro Comunitário de Apoio, que tem pela 1ª vez um Programa Operacional para a Cultura e que entra agora, lentamente, em vigor, fazendo prever uma crescente infiltração da dimensão cultural nas políticas regionais e locais.
Além disso, existem institutos do Ministério da Cultura que têm sido excelentes instrumentos de apoio à iniciativa que sobe da sociedade, sempre que souberam resistir à tentação de se substituir a ela, organizando as suas próprias iniciativas. O IPAE, aqui presente, consegue ser um bom exemplo dessa interpretação não dirigista do papel do Estado.
Existem representantes de interesses profissionais – com destaque para os dos direitos de autor – informados, competentes, e empenhados.
Existe uma efervescência artística na malha social – que aliás a imprensa escrita e a rádio vão reflectindo, embora mais incompletamente do que ela merece.
Existe também uma lei reformulada do Mecenato que cria melhores condições às empresas para tirarem benefícios dos apoios que concedam a acções no domínio da cultura e da educação.
Temos um Ministério da Educação fortemente empenhado em criar condições para que a educação artística na escola se generalize desde a base e para que Cultura e Cidadania se tornem dimensões permanentes da Educação.
Temos, por outro lado, um Ministério da Ciência com forte sensibilidade cultural, o que permite esperar boas surpresas para o futuro.
E temos presentemente na Câmara, para além de uma vereação da cultura como há muito tempo se não via, outras vereações – como a do Turismo – com sensibilidade cultural, o que não podemos deixar de saudar.
Então o que nos falta em Portugal?
Falta-nos aquele pouco que é quase tudo: que as políticas façam eclodir as capacidades e os saberes que existem hibernantes na sociedade por falta de estímulo e de utilização, que as leis sirvam o fim para que foram feitas, que os agentes do ensino consigam dar forma às boas intenções da reforma educativa em processo, que as televisões contribuam para um reforço da saúde da sociedade e não o contrário.
Alguns exemplos:
A Lei do Mecenato. Levou tempo até que as empresas europeias, e em particular as portuguesas, se convencessem de que contribuir para a cultura era, não só parte do seu dever social de empresa, mas que revertia em seu benefício, directo e indirecto. Directo, pelos benefícios de imagem; indirecto pela revitalização social que arrasta a elevação do nível cultural das pessoas, seus potenciais clientes.
Mas agora que as empresas portuguesas estão abertas para o mecenato cultural, assistiu-se nos anos recentes a uma autêntica desorçamentação dos produtores culturais praticada pelo Ministério da Cultura que canalizou para os seus próprios projectos os fundos disponibilizados pelas empresas, e secou assim a única fonte a que podem recorrer os agentes culturais independentes. Deu-se, pois, uma regressão malsã na actividade artística que voltou a depender do Estado para existir, com os seus concomitantes eleitos e excluídos. E a Lei do Mecenato que deveria servir para incitar a actividade independente foi desviada para reforçar o orçamento público de um ministro com genes pombalinos.
Depois, temos os professores. O Ministério já fez o diagnóstico e tem consciência de como os professores são o grande veículo – ou o grande obstáculo – a uma requalificação da atmosfera educativa em que as componentes artística e cívica sejam estruturantes. Mas a passagem à prática de uma formação permanente, abrangente e generalizada levará anos demais se o Ministério quiser fazer tudo sozinho e segundo as regras da função pública.
É preciso chamar a iniciativa e a experiência dos actores culturais à colaboração e apoiar acções de formação e workshops escolhidas pelos próprios docentes nos seus tempos livres e valorizá-las curricularmente. Com professores insatisfeitos e com respostas burocráticas não vamos lá.
E, finalmente, temos as televisões que se encontram sob uma pressão sem igual. A concorrência demente leva-as a viver em fogo de artifício permanente, oferecendo o que pensam que o público pede. Mas é claro que, a prazo, a sua sobrevivência dependerá muito mais de oferecerem o que o público ainda não pede mas poderá pedir se elas o mostrarem, consistente e persistentemente.
O Centro Nacional de Cultura – e decerto o mesmo acontece com outras instituições como nós – está disponível e é capaz de colaborar para a resolução de muitos problemas, prestando serviço às entidades públicas quer na formação quer na produção de conteúdos. Só que raramente somos solicitados para tal.
Qualquer destes três exemplos – a vitalidade artística de uma sociedade, a qualidade humana e profissional dos agentes de educação, o conteúdo das transmissões audiovisuais – tocam pontos nevrálgicos do nosso viver comum. Do modo como se for capaz de reagir contra as forças dominantes, não tanto invertendo a sua direcção mas criando bolsas de respiração, (o tal jogo das forças fortes e forças fracas de que fala Vattimo) depende a qualidade do futuro de todos nós.
Foi para contribuir para a qualidade do futuro que o Centro Nacional de Cultura nasceu em 1945. E foi em nome disso que se renovou em 1978 reequipando-se para uma nova caminhada. Vinte anos depois de 78 essa mesma equipa mantém-se de mangas arregaçadas, fiel às origens, “em defesa da liberdade e de um novo conceito de cultura” ainda que vá despontando aqui e ali, algum cansaço por ser tão difícil encontrar meios para fazer o que é obviamente preciso que se faça.
Os protocolos que hoje se assinam são simbólicos das diversas frentes em que agimos.
Trabalhamos sem rede, procurando os apoios um a um, ano a ano, junto de fontes públicas e privadas. Daí assinarmos acordos com 4 departamentos governamentais – Educação, Ciência, Administração Local e Cultura – com a Câmara de Lisboa, com 2 empresas – BCP e Gás de Portugal – e com uma colectividade. Esta rede variada de colaborações é um dos segredos do nosso trabalho.
Estes novos projectos – que os protocolos que acabámos de assinar apoiam – dirigem-se a diversos públicos: às crianças – O Jovem Cidadão sobre Rodas e as Escolas MUS-E – aos jovens – as MasterClasses, o Centro de Artistas e o renovado CiberChiado – aos turistas e amantes da natureza – os Itinerários Urbanos e os Caminhos de Fátima – e alguns deles ao público em geral, como a Ponte Cultural Lisboa-Porto.
Aos Senhores Ministros da Educação e da Ciência, ao Senhor Secretário de Estado da Administração Local, à Senhora Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, aos Senhores Directores da DREL e do IPAE, ao Senhor Secretário-Geral do BCP e Directora da respectiva Fundação, ao Senhor Presidente do Gás de Portugal, aos dirigentes da Federação de Campismo, quero manifestar o agradecimento do Centro Nacional de Cultura e o agrado com que daremos corpo a esta colaboração que nalguns casos já vem de trás.
Por sua vez, os 2 livros que hoje apresentamos são resultado de trabalho longo. Um deles resulta de uma reflexão sobre o papel e o estatuto dos artistas em Portugal, e outro de um ano de debates sobre as consequências da integração europeia para a vida quotidiana das pessoas. É bom que os livros Ser Artista em Portugal e Uma Europa Próxima sejam hoje aqui apresentados por Rui Vieira Nery e Guilherme d’Oliveira Martins, respectivamente. Os apresentadores são uma espécie de selo de qualidade que muito prezamos.
Terminaremos com um concerto com jovens cantores que participaram na nossa Master Class que hoje terminou, sob a orientação de Elena Dumitrescu Nentwig – a quem agradeço ter mais uma vez arranjado tempo para vir a Portugal ajudar estes jovens a darem o difícil salto no sentido da profissionalização e da internacionalização.
Espero que fiquem até ao fim, que tomem connosco o Champagne da amizade antes do concerto – oferecido por Moët et Chandon – e que fiquem para o concerto que vos trará boas surpresas.
Helena Vaz da Silva
Palácio Pombal, 27 de julho de 2000, Lisboa