Um ano depois: que imprensa temos?
A verdade é que há muito, mesmo, para noticiar nesses dias. Em quase todos os jornais se assiste a uma movimentação — embora de características e de amplitude diversas — desde os primeiros dias de Maio.
QUANDO, a 25 de Junho do ano passado, saiu o Decreto-Lei 281/74 a instituir a Comissão ad-hoc para a imprensa, rádio e televisão e regulamentando a respectiva actuação, correspondeu ele à primeira — provisória, embora longa — tentativa de meter nos carris uma imprensa que poderia então parecer uma ameaça potencial ao desenrolar pacífico do processo inaugurado a 25 de Abril.
Reconhecida que lhes foi, de um dia para o outro, a maioridade, vemos os meios de comunicação entregarem-se todos a uma euforia de informação (afirmação) que compensava o que tinha de imaturo, impensado, não filtrado com um tom triunfante, desinibido e libertado que não deixava de cair bem à maioria dos portugueses durante anos silenciosa à força, mas não de vontade.
Há, de facto, naquelas semanas de Maio, um amontoado indiscriminado de informação, em que as notícias importantes ladeiam com boatos os comunicados individuais e sem significado com manifestos de grupos numerosos, os adjectivos perdem o significado ou adquirem um novo. A verdade é que há muito, mesmo, para noticiar nesses dias. Em quase todos os jornais se assiste a uma movimentação — embora de características e de amplitude diversas — desde os primeiros dias de Maio.
No "Diário de Lisboa" —tradicional e prestigioso órgão de oposição ao fascismo — a redacção liderada pelo seu sector desde sempre mais politizado, decide logo no dia 2 ocupar as instalações da Rua Luz Soriano, acabando assim com a separação entre a redacção e os restantes serviços, iniciativa que se devia a Lopes Souto ("homem forte" que dominava todos os sectores do jornal, acumulando funções de administrador e de chefe de redacção), ao mesmo tempo que exigem o saneamento deste. Denunciam o seu "oportunismo em matéria política" que levou a que houvesse, antes do 25 de Abril censura interna e que depois ela continuasse a existir, tendo sido "proibido aos jornalistas tomarem qualquer posição face ao Movimento e aos acontecimentos mais significativos que se lhe seguiram." Pretendem também os jornalistas ter um director profissional, chefe de redacção eleito, propondo ao mesmo tempo que se seja um conselho de redacção e uma comissão coordenadora de todos os sectores da empresa. Obtêm o acordo da administração para as suas reivindicações que vão, como se vê, no sentido de obter o controle da gestão jornalística para a redacção, com total independência em relação à administração.
Apenas duas ressalvas: que Ruella Ramos fique director (o que a redacção acabou por aceitar "com agrado") eque fique bem explícito que a retirada de Lopes do Souto das suas funções redactoriais (que, segundo o comunicado da redacção eram apenas "de censor do material elaborado") não tinha que ver com atitudes suas "de natureza política ou ideológica'. Assim se disse e assim se foi. Para administrador, pois só mais tarde, em novo plenário, seria definitivamente irradiado do jornal, embora continuando, com a família Ruella Ramos, proprietário de uma parte na sociedade.
Simultânea com a luta do "Diário de Lisboa" assiste-se no "Diário Popular" (dia 3) à luta dos directores (Martinho Nobre de Melo), e de Brás Medeiros passando Manuel Magro a director Interino; procede-se igualmente a uma eleição de Conselho de Redacção — que nunca virá a ter grande influência devido à composição amorfa da redacção — e cria-se imediatamente uma Comissão de Trabalhadores, integrando todos os sectores da empresa, a qual terá, desde o início, um papel fundamental no desenrolar do processo de luta.
Também na "A Capital" (dia 1) se saneiam director e Subdirector, elege-se Conselho de Redacção — que confirma R. Iriarte na chefia.
No "Século",ao mesmo tempo que se elege um Conselho de Redacção de esquerda "não-alinhada", constitui-se uma comissão ad-hoc que convoca o 1º Plenário onde se apresenta um vasto caderno reivindicativo, parte do qual vem já de antes do 25 de Abril o que constitui uma excepção. Além de se exigir o saneamento da Administração que impede a sua Figueira, pretende-se uma revisão da tabela salarial e a participação crítica de todos os trabalhadores na orientação do jornal. As reivindicações apresentadas em dois plenários não agradaras à administração que impede a sua publicação no jornal acabando, perante a insistência da Confissão de Trabalhadores, entretanto formada, por declarar o "lock-out", proibindo a saída do jornal um dia.
Tal atitude leva parte dos trabalhadores (os do turno da manhã que se seguiu ao que saíra, em virtude do “lock-out”) a responder com decisão de não retornar o trabalho, entrando-se assim num período de quase uma semana de suspensão, com duplo carácter de greve e de "lock-out'". todo preenchido com plenários ininterruptos, a que assistiam centenas de pessoas, muitas exteriores ao jornal, com o interesse de quem reconhecia que se passava qualquer coisa de altamente significativo e ainda desconhecido entre nós. Das confrontações havidas nesse período dependeu muito do que viria a ser o futuro ambiente interno do jornal. No "Diário de Notícias", procede-se imediatamente ao saneamento da administração (Ulisses Cortez, Esteves Fonseca, Vitória Pires, João Diniz, sendo estes dois últimos reintegrados dias depois à falta de melhor...). Quando se trata, no entanto, de sanear o director Fernando Fragoso e o chefe de redacção Joao Coito — ambos altamente comprometidos com regime anterior — a redacção opõe-se, acabando estes porser saneados por decisão geral dos trabalhadores, mas com o desacordo da redacção que, ao longo do processo, se revela sempre em oposição aos trabalhadores dos outros sectores.
Na "República" o movimento que se desencadeia é a longo prazo e com outras características, devido à homogeneidade da sua equipa.
Assim se vêdesencadeado um processo quase simultâneo em todos os jornais, mas uns caracterizando-se por um predomínio da actuação da redacção no interior da qual se processam lutas e iniciativas (Diário de Lisboa) - com uma redacção dividida, mas activa. Capital com uma equipa antifascista, não-partidárias; outro Diário Popular, em que a luta unitária dos trabalhadores (sector activo da Redacção com outros sectores) passa imediatamente a comandar tudo; outro (Século) em que um sector da redacção tenta uma luta unitária de trabalhadores. desapoiado por outra parte da redaccao: finalmente, o Diário de Noticias, em que a redacção se mantém até ao fim alheada das lutas que, no entanto, os trabalhadores dos outros sectores não desistem de levar avante.
Depois, a "República” em que só quando o jogo partidário cáfora atinge o seu pleno, começa a ser atingida por ele, passando-se então a luta, não a nível de reivindicações salariais ou de saneamento, mas de luta pelo poder político. Isso aliás acontecerá rapidamente em todos os órgãoscomo já veremos adiante.
Um longo (e pesado) regime provisório
Sai, entretanto a 25 de Julho, a lei provisória da informação a que já nos referimos, afim de tentar regulamentar a liberdade de imprensa que todos os corpos redactoriais dos jornais tinham reivindicado e estavam de facto a exercer. Pelo carácter (propositadamente?) vago da sua redacção (que fala em castigar "incitamentos ou provocações ainda que indirectos à desobediência militar'' e em "agressões ideológicas que contrariem o Programa do MFA") levanta este Decreto muitos protestos e dá ocasião à aplicação de uma série de multas que alarmam os detentores das recém-adquiridas liberdades.
Depois de uma primeira multa (exemplar) ao jornal "Revolução", seguem-se entre outras, duas ao EXPRESSO, uma à "República”, outra ao "Raio" da Covilhã”, multa e a suspensão do "Luta Popular" e algumas multas à direita para equilibrar. De notar que isto se passa sobretudo antes do 28 de Setembro, altura em que a comissão ad-hoc silenciou até á saída da recente Lei de Imprensa.
De entre protestos ao Decreto salientamos o dos redactores do "Diário de Lisboa" que, em dois textos separados - um subscrito por 35 nomes, outro por 10 -, se pronuncia sobre o assunto. Transcrevemos algumas partes mais significativas, na medida em que representam os primeiros sinais públicos da divisão interna profunda que se passa no seio dessa redacção e que viria a marcar a posterior evolução deste periódico. Enquanto o texto subscrito pela maioria começa por "reafirmar a sua adesão aos princípios basilares do Programa do MFA" para só depois "protestar contra a “forma ambígua e perigosa como foi redigido o regulamento da Lei de Imprensa" (mesmo assim com "discordância" de Castrim que não acha nem ambíguo nem perigoso, o texto da minoria começa por discordar "totalmente da posição tomada face ao Estatuto Provisório da Imprensa que consideram uma lei reaccionária e repressiva... Tanto as suas disposições como as multas já aplicadas ao seu abrigo demonstram que essa lei não visa silenciar agressões ideológicas dos meios reaccionários mas sim dificultar uma informação ampla, correcta e factual da movimentação de massas populares nos seus aspectos fundamentais o surto reivindicativo e grevista e a luta anticolonial)... Essa lei não ataca os grupos financeiros que dominam grandes órgãos, mas sim a imprensa livre e progressista..." dizendo depois que "o documento aprovado pela maioria da Redacção reafirmando o pluralismo e a objectividade, esconde a censura interna que se tem vindo a praticar e que tende a crescer nos órgãos de informação"
Imprensa no Porto
No Porto há três diários de grande expansão: "O Primeiro de Janeiro", o “Comércio do Porto" e o "Jornal de Noticias". Enquanto este último, tem uma estrutura organizada, fortemente hierarquizada, e uma vasta tiragem (a maior de todos os diários do país contando, além disso com unia redacção jovens, numerosa e dinâmica, que lhe permite fornecer uma informação pluralista, séria e diversificada, o "Primeiro de Janeiro", consegue penetrar uma vasta rede regional (Coimbra, Aveiro, Viseu) e, embora com estruturas mais modestas, é também largamente lido e considerado suficientemente liberal. "O Comércio do Porto" é dos três o de menor tiragem, o menos "aberto', e também aquele onde as pressões partidárias (próximas do PC) se fazem sentir mais fortemente.
Em todos eles se deu uma movimentação de trabalhadores e os jogos partidários estão presentes também em todos, tendo o "Primeiro de Janeiro" vindo a ser alvo da cobiça quer do PC quer do PS, mas podendo-se afirmar que o equilíbrio está estabelecido.
"O Primeiro de Janeiro", é propriedade de uma só pessoa que é ao mesmo tempo seu administrador e seu director. A redacção é deixada mão livre. "O Comércio do Porto" foi bastante atingido pelas nacionalizações visto que 65% pertenciam ao grupo Borges. Alentejo. Aliás, o "Jornal de Notícias" pertencia 97% à empresa proprietária do Diário de Notícias, pelo que foi totalmente nacionalizado.
A outra Imprensa
Mas não só de grande imprensavive Portugal. Há também aimprensa regional — que é todo um mundo. Um mundo de antigamente. A maioria dos jornais de província — que pertencem, quer a "senhores locais" quer à Igreja, dificilmente se adaptaram às novas circunstâncias excepção feita para alguns. Tal assunto merece mais cuidadosa análise que tentaremos noutra oportunidade. Se esta é a imprensa do tempo que passou, há a imprensa do tempo que chegou, aquela que irrompe com o 25 de Abril. Temos, primeiro, aqueles jornais que, clandestinos, saem pela primeira vez à luz. Temos, depois, os que começam respondendo ao novo clima, às novas interrogações do público. Desde os órgãos partidários aos boletins de fábrica, de escolas, de bairro, muito aconteceu nos meses que se seguiram ao 25 de Abril. (ver caixa)
Algumas Publicações partidárias Avante (PC) Pró-UNEP UEC (PC estudantil) Povo Livre (PPD) Combate Socialista (PRT) Esquerda Socialista (MES) e agora (Até Maio?) "Poder Popular" Manifesto (MES) Portugal Socialista (PS) Democracia 74 (CDS) Monarquia Luta Popular (MRPP) O Tempo e o Modo (MRPP) Luta Proletária (LCI) ' Unidade (MDP-CDE) A Verdade A Voz do Povo (UDP) Grito do Povo (FEC-ml) Fronteira (LUAR) A Voz do Trabalhador Revolução (PRP) Unidade Popular (PCP-m 1) O Proletário • A Ideia (Movimento Libertário Português) |
A luta pelo poder
A tensão que este documento revela não é exclusiva do “Diário de Lisboa”, mas será talvez nele que a escalada ideológica é mais nítida. A consciência "de esquerda" era já forte no D.L. antes do 25 de Abril. Embora de quadrantes diversos, a redacção soubera unir-se para contestar o poder então exercido por Souto e Armindo Blanco, que conseguira afastar, elegendo uma chefia colectiva de três nomes (M. Azevedo, A. Pereira da Silva e Torquato da Luz) que, com o apoio de Lopes do Souto, iniciou um clima de "jogos e manobras" que dividiu a redacção e culminou com dois despedimentos meses depois, votados por 15 contra 14. Como se vê, as forças iam-se extremando, mas o equilíbrio era ainda grande na altura, de tal modo que, quando se tratou, depois do 25 de Abril, de eleger um Conselho de Redacção, a facção "esquerda conservadora” recorreu a todos os colaboradores do jornal para conseguir impor a sua lista que visa a ganhar. Saem, entretanto, para outros órgãos de informação 3 dos jornalistas de "esquerda independente" e regressam alguns "antigos" que reforçam a corrente "emedêpê" (para simplificar). Os que detêm as chefias se não são os mais competentes, são os mais poderosos e assiste-se assim a uma queda vertical na qualidade do jornal que se traduz aliás na curva de vendas que pudemos obter: se em Janeiro de 74 tiravam 38 000 e em Maio desse ano 79 000, vemos a curva baixar regularmente até Setembro — mês, em que, graças a Spínola, dá um saltinho, — para recomeçar a descer vertiginosamente, a partir de Dezembro, encontrando-se neste momento nuns parcos 32 000 exemplares de tiragem.
A censura interna cresce na proporção, do enfraquecimento da esquerda "não emedépê". Significativos alguns cortes em comunicados de partidos quando criticam o PCP ou a Intersindical, assim como os feitos a referências anti-colonialistas em Julho de 74...
Apesar de tudo, e embora em quase todos os lugares chaves estejam redactores só de uma facção reforçados — como aliás é nítido pelo tom geral do jornal — é significativo de algum mal-estar o facto de a lista "independente" ter perdido, na votação para o Conselho de Redacção feita há dias, apenas por cinco votos.
Para além deste caso exemplar de "assalto" partidário, serão os casos de "O Século" e da "República' os dois onde a luta pelo poder é mais evidente.
O 25 de Abril vai encontrar no "O Século" uma redacção pouco politizada, em que os activistas de "esquerda independente" facilmente dominaram, levando à eleição de um primeiro Conselho de Redacção não partidário. A cisão na Redacção dar-se-á quando a exigência de saneamento de Manuel Figueira (acusado de comprometimento com o grande capital), não é apoiada pela maioria. Mas será durante osdias de greve/lock-out que o sector “emedêpê" da redacção marcará os seus pontos, através de históricos discursos, desmobilizando os trabalhadores que tinham votado a saída de um "jornal de greve" e conseguindo arregimentar e controlar uma força que, nos primeiros dias parecera incontrolável. O reconhecimento (por uma comissão de trabalhadores), da situação financeira caótica da empresa que sucedera à que de Jorge de Brito, e a prisão de alguns administradores em Dezembro, levou finalmente à demissão de toda a administração e do director. Passa então o jornal por uma fase de administração "populista" (curto reinado de Francisco de Sousa Tavares que entra como administrador pelo Estado/BIP) que, se não teve a vantagem de resolver os problemas financeiros (irresolúveis), permitiu uma pausa que o PS aproveitou para tomar posições que ainda conserva. Parece ser o facto de o núcleo do PS contar com — ao que ele afirma — 200 trabalhadores (em 800) que levou o sector "emedêpê ' — agora com franco predomínio na Redacção, mas não no conjunto dos trabalhadores (que se aliam facilmente em votações com o sector "independente" da recente redacção) a forçar para a votação da nãorealização de sessões de esclarecimento político no interior da empresa. Deve-se também a iniciativa "emedêpê” a recente entrada de um trabalhador para a administração.
Um sintoma de certa insegurança deste sector é o retomar da ideia de "participação crítica dos trabalhadores" que fora lançado logo no princípio pela esquerda 'não-emedépê", agora com modo de reforçar as suas formas de intervenção.
Embora o que ressalta do tom geral do jornal seja de facto um predomínio ideológico de um sector "emedépê", tal não parece definitivamente adquirido, visto a recente votação para o Conselho de Redacção ter resultado em 33 votos a favor do actual Conselho contra 31 (lista independente). É, pois, um reinado instável, embora, de momento. aparentemente adquirido.
Na "República", o caso foi outro. Ao contrário dos outros jornais, o 25 de Abril, em vez de despertar o espírito reivindicativo, reforçou uma unidade já existente. É preciso chegara Junho/Julho para se começar a assistir aos primeiros assomos partidários. Começam a surgir as primeiras acusações de que o jornal dava preferência à matéria sobre o PS e que, por outro lado, o relevo dado à extrema-esquerda, não podia senão ser uma manobra anti-PC.
Saem uns jornalistas em virtude do mal-estar que se cria, entram 3 novos que reforçam o sector PC. O Conselho de Redacção, com dois lugares vagos (desde a passagem de Praça a sub-chefe e da saída de Guerra para a TV) não consegue preencher-se em virtude de desentendimentos profundos que não cessam de vir à tona. Em Novembro atinge-se o auge da discussão partidária quando um artigo de António Reis contra a transformação do MDP em Partido se vê aprovado em redacção e reprovado numa RGT convocada à pressa pela tipografia para o efeito.
A facção PC apresenta a proposta de uma "comissão de controle ideológico" (retomar da ideia da "participação crítica" de “O Século”) e é afirmado em reuniões tempestuosas que a "censura e boa quando é feita ao serviço dos trabalhadores".
A tensão mantem-se, com oscilações — mas o afrontamento é claro — até que, em Janeiro, se elege um Conselho de Redacção composto de PS e de independentes. Desde aí, a luta silenciou, e a linha "antiga" parece ter retomado o controle, retomando a "República" o "socialista" que sempre mais ou menos a caracterizara.
No "Diário de Notícias" assiste-se a uma hegemonia "cupulista" de partidos enquanto, na base, se passa uma luta por condições de trabalho e saneamento, por parte dos trabalhadores em geral e uma certa indiferença por parte da redacção. Só essa indiferença explica, aliás, que o "Diário de Notícias” pudesse, de 24 para 25 de Abril, mudar como mudou com a mesma gente a escrevê-lo, passando depois por uma fase socialista (com Ribeiro Santos e José Carlos Vasconcelos lá postos como director e sub-director pela mão de Raul Rego, então ministro) e, serenamente, entrando na actual fase mais "ortodoxa", mais oficiosa, sob a direcção de Luis de Barros e de José Saramago, votados em plenário de trabalhadores.
Na "Capital" que conta talvez com a mais "profissional" das redacções (no sentido de tecnocrática), encontra-se, desde o início, uma vontade de passar do jornalismo mais sério. Embora continuando a insistir na reportagem e na variedade noticiosa que caracterizava o jornal. Encontra- se, desde logo, nos redactores, uma preocupação de lutarem por mais qualidade definindo- se em termos de "anti-fascismo' e não mais, unindo-se por momentos, contra a "maioria silenciosa" por exemplo, mas sem grandes tomadas de posição de principio. Assiste-se depois a uma progressiva radicalização que se traduz num "Programa de Candidatura" apresentada pela única lista concorrente ao Conselho de Redacção, agora eleito. Depois de insistir na necessidade de um jornalismo de qualidade, fala nas várias frentes de luta que competem ao jornalista, denunciando a concepção "tecnocrática e medíocre de empresa comercial" com que por vezes se encara o conceito de "independência ideológica", insistindo na necessidade de "adaptar o jornal às necessidades presentes das massas populares".
Propõe contribuir para a formação permanente dos trabalhadores da informação e das massas em geral e anuncia um "Congresso Capital" de livre discussão. Pode dizer-se que é o diário da capital onde o pluralismo ideológico é mais real.
No "Diário Popular", devido ao modo como se iniciou a condução da luta dos trabalhadores não pode dizer-se que haja afrontamentos partidários, o que o torna, de certo modo um caso único e que merece particular atenção. Numa redacção que, antes de Abril. era despolitizada a 70%, assiste-se a uma imediata unidade dos trabalhadores de todos os sectores que dizendo não ao saneamento (de trabalhadores). reforça todos os modos a aliança entre eles, constituindo uma frente de luta. Define desde logo unia Política de Salários — que leva à diminuição do leque (que ia, na altura de 2500 a 40 000 escudos), baixando ordenados de administradores e director, retirando gratificações. Procede sempre de modo democrático e mesmo "legalista", o que permite uma adesão de grande parte dos redactores, anteriormente conservadores.
As lutas até agora travadas têm sido poucas, mas seguras. Em Setembro, deu-se um afrontamento causado pela publicação das bases programáticas do CDS. A Comissão de Trabalhadores opôs-se e ganhou (publicou-se um resumo apenas). Num recente plenário apresentaram-se para discussão as bases da "Orientação Política" do Jornal. De pendor nitidamente popular, progressista, e apartidário, encontraram um eco que denota unia boa preparação das bases.
Ao falarmos de luta no seio dos órgãos de informação, não podemos esquecer o sentido da que foi travada pelos trabalhadores do "Jornal do Comércio" que, em Setembro, motivou a primeira greve geral da imprensa de que temos memória (apenas a ela não tendo aderido "O Século" que, no entanto, foi impedido por piquetes de sair para a rua). A sua luta foi exemplar porque era realmente dirigida contra as intocadas estruturas fascistas, ainda incólumes. Nessa medida, foi pois, um símbolo.
O Sindicato dos Jornalistas que tem tido, aliás, desde o 25 ele Abril, um papel hesitante. não tendo nem a anterior direcção nem a última (actualmente demissionária) tido o dinamismo que seria para desejar, desaprovou — no habitual tom de "por um lado, isto, por outro aquilo"', a que este Sindicato nos tem habituado — o modo como a greve fora decretada, chamando a atenção para os perigos e desvantagem da ausência de informação.
Uma lei esperada, mas contestada
Sai, entretanto — e depois de um debate público a que se seguiu prolongado silêncio... — a Lei de Imprensa. Trata-se do Decreto-Lei 85-C-75, de 26 de Fevereiro que define a liberdade de imprensa (art. 4°) e os seus limites (art. 29º e 60º) garante o direito de difusão, — o qual entretanto fora bastante atropelado por tipógrafos e ardinas, recusando-se a imprimir ou distribuir textos que não eram do seu (dele, Partido) agrado. Dum desses boicotes foi o EXPRESSO vítima, como talvez se lembrem de ter visto na televisão. Procura a lei garantir também a independência do jornal em relação ao Estado-Patrão (art. 9º muito actual agora) e dos jornalistas em relação à direcção e administração (artº 21º, 22º e 23º). No entanto, o director é escolhido pela administração e o chefe de redacção é escolhidopelo director... E a alteração do carácter ideológico da publicação —razão que permite ao jornalista desligar-se desta — tem de ser definido pelo Conselho de Imprensa...
Também nessa Lei se institui o Conselho de Imprensa, com numerosas funções: colaborar na elaboração da legislação anti-monopolista revista no art. 8° e acompanhar a sua execução; emitir parecer sobre política de informação;
pronunciar-se sobre matéria de deontologia e de respeito pelo segredo profissional; organizar e divulgar o controle de tiragem e difusão das publicações...;
verificar a alteração de orientação dos períodos...; etc, etc. Esse Conselho acaba de ser formado com a seguinte composição:
Presidente: — Juiz desembargador Henrique José da Fonseca Ramalho Ortigão
Elementos do MFA: — Major António Namorado Freire, Capitão José Nunes de Santa Clara Gomes, Capitão Nuno Alvaro dos SantosSilva,
Jornalistas: — António dos Santos Ribeiro, Carlos Alberto de Veiga Pereira, João Joaquim Gomes, Manuel António Mota de Pina, Manuel Maria daSilva Costa, Mari a Antónia Santos Palla e Carmo.
Representantes de empresas jornalísticas: — Francisco Pinto Balsemão (Imprensa não diária), Adriano Mário da Cunha Lucas (Imprensa diária).
Directores de Publicações - (diário e n/diário) — Dr. Fernando Teixeira
Director (publicações diárias), Dra. Maria Adelaide Almeida e Paiva —
directora (publicações não diárias).
Representantes dos Partidos de Coligação: — PCP — Dr Armando da Silva Carvalho, PS — Alberto Arons Braga de Carvalho, MDP/CDE — Manuel Rodrigues Monteiro de Azevedo. PPD — Dr. Adolfo Norberto Lopes.
Este Conselho, no entanto, não reuniu nunca até agora.
Ao mesmo tempo, criou o Ministro da Comunicação Social um outro Conselho, a que chamou Nacional da Informação, que não estava previsto na lei e que reúne semanalmente sob a sua presidência. Constituem-no o Ministro e o Director-Geral da Informação, os representantes do Estado (na sua maioria militares) nos órgãos de informação (ANI, emissoras,TV e jornais) e umas pessoas da confiança do ministro, como César Oliveira, José Saramago, um psicólogo... e ao que sabemos de momento mais ninguém. Este Conselho nomeou agora um grupo de trabalho para estudar a reestruturação da grande imprensa (descentralização, aglutinação, etc.).
Panorama
Deste rápido panorama da grande imprensa, temos em resumo o seguinte:
Diário de Lisboa" — Propriedade: cerca de 2/3 Ruella Ramos/Souto, 1/3 (que era BNU) nacionalizado. Direcção: Ruella Ramos, José Cardoso Pires. Chefia: Veiga Pereira. Administrador por parte do Estado: Gonçalves Pereira. Conelho de Redacção: Eugénio Alves, Pedro Alvim, Manuel Azevedo, José Salvador. Redacção: cerca de 30 elementos. Pequena tiragem. Partidário (pró- PC).
Os jornais que, depois das nacionalizações, se podem dizer independentes (financeiramente) são apenas, além do nosso semanário, a "República" e o "Primeiro de Janeiro". Ideologicamente falando, poderão considerar-se mais claramente apartidários (além do nosso, mais uma vez), "A Capital", o "Jornal de Notícias".
"Diário Popular" — A maioria (grupo Quina/Borges) foi nacionalizada. Director interino: Manuel Magro, demissionário.
Conselho de Redacção constituído por Abel Pereira, Jacinto Baptista, Baptista Bastos, Ângelo Granja, José de Freitas, Rodrigues da Silva. Novas eleições para a semana.
Comissão de Trabalhadores (40 pessoas) omnipotente. Apartidário, democrático e popular — princípios em definição neste momento. Redacção — cerca de 46
pessoas. Tiragem 90 000.
“Capital" — Propriedade: diversos accionistas parte nacionalizada.
Director David Mourão Ferreira. Chefe de Redacção: Rodolfo Iriarte. Conselho de Redacção: Almeida Martins, João Vaz. José Goulão, Nunes Cordeiro, Pina Cabral. Novo "Programa" de acção agora definido.
"República" -- Propriedade: toda de pequenos accionistas, nenhum com mais de 10%.
Director: Raul Rego. Chefe de Redacção:
Conselho de Redacção: Helena Marques, Arons de Carvalho, Edmundo Perdiz, Mário Mesquita e José M. Barroso, estes dois últimos saídos agora para o "Jornal Novo", (predomínio PS). Conselho do Jornal (na tipografia, predomínio PC). Tiragem 50 000.
“O Século" — Era BIP, nacionalizado.
Administração: major Aventino. Direcção: Adelino Tavares da Silva. Conselho de Redacção: Urbano Tavares Rodrigues, Galvão Correia, Altino Tojal, F. Baião, Adelino Tavares da Silva. Predomínio linha pró-PC.
"Diário de Notícias" — Nacionalizado (Caixa Geral de Depósitos).
Administração: Marcelino Marques. Direcção: Luis de Barros, José Saramago. Conselho de Redacção: não há. Recupera a passos largos o seu ex-carácter "oficioso". Tiragem: 120 000.
Apontaremos apenas o recém-nascido "Jornal Novo" de que não podemos falar no passado, mas de que esperamos poder vir a falar no futuro.
A Imprensa Nasceu a 25 de Abril
Uma apreciação da Imprensa que nós temos? É difícil, porque participamos dela, das suas dificuldades, das suas imaturidades. Os jornalistas nasceram em Portugal no dia 25 de Abril (ou quase) e a arte leva um tempo a aprender. Assiste-se ainda a uma certa indiscriminação (entre o que é importante e o que é acidental), a uma grande falta de imaginação, a uma triste falta de humor (a "Mosca" foi-se e nada veio), a uma lamentável rotina, a uma relativa incompetência ("blocos de comunicados, é o que a imprensa portuguesa é, dizia Sartre). E depois, pessoas fugiram dos jornais porque há agora mais tribunas onde se exprimam: os partidos, por exemplo, a televisão. E assim, há os que saem (dos jornais) para irem fazer o seu jogo partidário e há os que entram (nos jornais) exactamente para a mesma coisa. Poucos são os que lá estão para fazerem jornalismo a sério. Ou menos do que seria preciso, pelo menos... Quando será que as pessoas se convencem que não é nos partidos (só) que está a salvação?
Nota: ficou ainda, a Rádio e a Televisão por tratar, assim como a Imprensa Regional. Esperamos voltar a elas em breve.
Helena Vaz da Silva