Um dia Helena Vaz da Silva disse que os seus escritos
eram como “pequenas pedras que vou semeando”.
Assim foi fazendo ao longo de uma vida velozmente
vivida. Acreditava na força das palavras e das ideias. E
sabia os riscos que corria quando abria um grande
debate. Mas estava sempre disposta a correr esses
riscos, por entre propostas arrojadas e uma inesgotável
capacidade de espanto e para assumir perplexidades.
Foi sempre semeando as pequenas pedras. “Pedras
como a do Polegarzinho – do conto da nossa infância –
que se deitam para ajudar a reconhecer o caminho;
pedras como a que se lança quando se começa a fazer
uma casa; pedras brancas e de cor para dar brilho ao
nosso dia a dia ou para lhe acentuar os contornos” (Incitações para o Milénio).
E o que preocupava essencialmente Helena?
Era o facto de hoje se viver “de portas e coração
trancado, assestado para o êxito, a imagem, o
agradável, o curto prazo”. Para ela importaria,
ao invés, perscrutar os “espaços outros”, os
“sinais” e os “profetas de hoje” e criar uma
“corrente de resistência” – única forma de resistir
à “desintegração, que flui por debaixo do
ruidoso tumulto da vulgaridade”.
Se lermos o que escreveu, se nos debruçarmos sobre a sua ação, como jornalista,
como animadora cultural, como escritora, depressa descobrimos que há uma
constante indelével, a da procura de sinais dos tempos, de alternativas e de novas
tendências, abrindo novos espaços de criatividade, mas também de descoberta
das virtualidades do encontro entre a memória, o património e a inovação.
Helena Maria da Costa de Sousa de Macedo Gentil Vaz da Silva nasceu em Lisboa
a 3 de julho de 1939, filha de D. Isabel Maria da Costa de Sousa de Macedo (Vila
Franca) e do Dr. Francisco de Mascarenhas Gentil. Seu Pai, brilhante advogado,
morreria precocemente quando Helena tinha apenas 9 anos, mas marcá-la-ia
profundamente, como homem culto e sensível.
Aprendeu a ler com a mãe nas letras de forma dos jornais, frequentou o Colégio de
St. Augustin, de freiras belgas, bem como as escolas das irmãs Escravas e Oblatas,
sempre com excecional aproveitamento.
Quando terminou o ensino secundário lecionou Francês e Religião no Colégio das
Oblatas, tendo frequentado ainda o Instituto de Serviço Social. Com
17 anos começou a sua vida profissional na agência de publicidade de Martins da
Hora, na mesma secretária em que trabalhou Fernando Pessoa.
Em 1959, casa com Alberto Vaz da Silva e insere-se no influente circulo cultural, em que se integram António Alçada Baptista, Nuno Bragança, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, José Escada, Luís Sousa Costa, Nuno Cardoso Peres e Cristovam Pavia.
Sobre esse grupo disse Helena: “Para lá do trabalho em comum que tínhamos (no
projecto editorial da Livraria Moraes), chegámos a planear constituir uma comunidade segundo um projecto só nosso, a que chamámos O Pacto”. Esse projeto não se
concretizou, mas realizou-se um outro, o da criação de uma revista “de pensamento e
acção”, que nasceu em 1963 e que se chamou “O Tempo e o Modo” – iniciativa marcante, pela abertura de novos horizontes políticos, culturais, literários e artísticos. A
revista congregaria personalidades de diversas sensibilidades, empenhadas na renovação da vida portuguesa no sentido da democracia: Mário Soares, Salgado Zenha,
Jorge Sampaio, Sottomayor Cardia, Vasco Pulido Valente, Manuel de Lucena, Sophia
de Mello Breyner, Jorge de Sena, Agustina Bessa-Luís, Ruy Belo, M.S. Lourenço, Eduardo Lourenço, António Ramos Rosa, José Cardoso Pires, Vergílio Ferreira…
Em 1965, Helena Vaz da Silva assume a responsabilidade da edição portuguesa da revista “Concilium”, empenhada na difusão do espírito do Concílio Vaticano II.
Em 1968, parte para Paris, para estudar Jornalismo e
Sociologia, na Universidade de Vincennes e frequentar o Seminário de Lacan – e assiste aos acontecimentos de maio. “Foi muito bom que eu tivesse ido,
quando vim trazia outra visão, outra calma”. No regresso, organiza dois números temáticos de “O
Tempo e o Modo”, com grande sucesso – “Deus, O Que É?” e “O Casamento”.
Depois de ter responsabilidades na empresa turística
da Quinta da Balaia (Algarve), ingressa no quadro do
“Expresso”, onde se impõe pelo caráter inovador e
aberto dos temas que propõe e das pessoas que entrevista. É o tempo da jornalista motivada pelos
ventos de liberdade e pela necessidade de abrir
novas alternativas.
Dirige os programas políticos e sociais da RTP, colabora como “free lancer” nos principais órgãos de
informação, entra em 1977 na ANOP (Agência Noticiosa Portuguesa), para chefiar a área da cultura.
Em 1978, assume a direção e a propriedade da revista “Raiz e Utopia”, fundada por
António José Saraiva, Carlos Medeiros e José Batista, e imprime uma orientação inconformista virada para os grandes debates europeus do momento, bem simbolizada na secção “Abriu em Portugal”.
Em 1979, assume a Presidência do Centro Nacional de Cultura (CNC), iniciando e
desenvolvendo uma ação incansável em prol da divulgação, do estudo e da preservação da língua e da cultura portuguesas, lançando os Passeios de Domingo, debates, colóquios, cursos livres, a base de dados Patrimatic, diversas publicações e o
ciclo “Os Portugueses ao Encontro da Sua História”. Como disse Maria Calado: “ao
lançar os Passeios de Domingo introduziu-se em Portugal a prática dos itinerários
culturais como forma de conhecimento e valorização do património histórico e da
criação artística e cultural contemporânea”. Mas Helena não pára.
Em 1980 é Vice-Presidente do Instituto Português
de Cinema e conhece Marguerite Yourcenar, de
quem se torna amiga e tradutora das suas obras.
Edgar Morin, Yehudi Menuhin e Yourcenar são,
aliás, ligações fundamentais do círculo de
afetos e referências intelectuais e éticas de
Helena Vaz da Silva.
Em 1987, integra o Conselho Consultivo da
Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses e de 1989 a
1994 é Presidente da Comissão Nacional da
UNESCO, mandato que coincide com o de
Federico Mayor como diretor geral da organização, o que permitiu a Portugal exercer um
papel decisivo no Ano Internacional dos
Oceanos, na Expo 98 e realizar em Lisboa a
Reunião Inter-Regional sob o tema “A
UNESCO para o Século XXI”.
Em 1992, é membro do Conselho de Orientação
para os Itinerários Culturais do Conselho da Europa
e em 1994 foi eleita deputada ao Parlamento Europeu pelo PSD,
exercendo um mandato muito marcante: “consegui pôr Portugal na agenda dos agentes
culturais europeus e pôr a cultura na agenda da Europa”.
Em 1996 integrou a Comissão para o Futuro da
Televisão em Portugal e em 2002 toma posse
como Presidente do Grupo de Trabalho sobre o
Serviço Público de Televisão.
Desde 2000 era académica da Academia Nacional de Belas Artes.
A 12 de agosto de 2002 morre em Lisboa quando muito se esperava da sua inteligência,
do seu entusiasmo e da sua força criadora.
Compreendeu bem o seu tempo e procurou descobrir novas tendências e sinais capazes de ligar tradição e modernidade, liberdade e sentidos de pertença – eis a sua marca
inesquecível. Foi autora de várias obras, entre as quais:
Helena Vaz da Silva com Júlio Pomar, 1979;
Portugal, o Último Descobrimento, 1987;
Qual Europa?, I, 1996;
Qual Europa?, II, 1997;
Qual Europa?, III, 1999;
Incitações para o Milénio, 2001.
Foi agraciada com a Ordem de Mérito de França (1982) e com a Ordem do Infante D.
Henrique, Grande Oficial (2000).